DEVOÇÃO AOS SANTOS CATÓLICOS.

Inicialmente, 90% (noventa por cento), ou mais, dos habitantes desta região professavam a religião católica romana. Havia, em razão disto, fervorosa devoção aos santos católicos. Conheça um destes fatos, lendo a seguir, o que Daniel Albuquerque escreveu em TAPAUÁ: PRIMEIRA GERAÇÃO (com início na página 4), referente a um devoto de São Lázaro:

(Página 4)

Posso, todavia, afirmar com segurança, que os sentimentos de religiosidade, crença ou fé da gente daquela época, eram extremamente fortes, constituindo-se um dos principais fatores norteadores de suas vidas. Em quase totalidade das residências havia pequenos altares – repletos de imagens de santos católicos, moldadas de cera com o tamanho de 25 ou 30 centímetros e benzidas por padres durante as desobrigas paroquiais – diante dos quais se rezavam novenas ou ladainhas. Estas cantadas em curiosa imitação do latim (que era a língua oficial da Igreja Católica Romana) e dirigidas por pessoas idosas com a necessária experiência para estas práticas.

Fazia-se também muito comum, o pagamento de promessas em razão de graças alcançadas ou atendimento aos pedidos implorados pelas parturientes (na época, sem nenhuma assistência médica), que após o parto normal davam aos filhos o nome do santo protetor. Ainda vivem por aqui Benedito Ferreira de Andrade, Maria Soldada, Raimunda Soldado e algumas outras pessoas cujos nomes emanaram do pagamento de promessas aos santos milagrosos.

EPSÓDIO II

O DEVOTO DE SÃO LÁZARO

Lembro-me, com saudades, de um fato pitoresco e até de muito bom humor, do qual fui protagonista e que se refere à religiosidade do povo daquela época: Após ter arrendado o seringal Linda Vista, instalei a sede dos negócios na colocação Ponta do Camaleão em uma sala que me havia sido gentilmente cedida pelo senhor Raimundo Job de Andrade, chefe de notável família composta por sua esposa dona Matilde Monteiro de Andrade, uma filha casada e quatro filhos todos excepcionais trabalhadores e produtores rurais.

Raimundo Job era devoto de São Lázaro (segundo a crença em vigor, santo protetor dos enfermos e dos cachorros), em razão do que, todo ano realizava uma grande festa em pagamento de promessa que resultou da graça alcançada de livrar-se do engasgo com uma espinha de tambaqui, quando ainda residia e trabalhava no seringal Abufari. A festa, em apreço, tinha várias peculiaridades: farta distribuição de comidas e bebidas aos participantes e convidados que vinham das mais variadas comunidades; estrondosa festa dançante ao ritmo da famosa Orquestra do Cassiano e, notadamente, o primeiro almoço oferecido a sete cachorros, todos eles com um laço de fita amarrado ao pescoço, aos quais era servido o melhor do que havia para se comer. E, tão grande era a diferença dos quitutes servidos aos cães que, certa vez, em tom de brincadeira, pedi para ser tratado como cachorro.

Todavia, pude observar e sentir que a grande festança, cujas despesas eram totalmente arcadas por Raimundo Job e seus familiares, custavam-lhes grande soma de dinheiro, às vezes refletindo na economia doméstica da família. Como já me havia tornado seu amigo íntimo, encorajei-me em revelar-lhe que São Lázaro não havia sido canonizado e, por isto, não era santo da Igreja Católica Romana, que o não reconhecia como tal. Ao ouvir minha informação, Raimundo Job olhou-me grave e terno (alusão a famoso poeta brasileiro) e repreendeu-me:

– Com todos os diabos, meu amigo, você não sabe o que está dizendo!

Considerando que, de fato, não possuía nenhum estudo especializado ou preparo religioso dei o caso por encerrado.

Passado algum tempo, ao realizar uma viagem de regatão7 fiz escala no seringal Itatuba, onde se encontrava em desobriga paroquial, Frei Agostinho Delgado, padre espanhol membro da Ordem Recoleta de Santo Agostinho.

À noite, no discorrer do sermão proferido durante o ato da novena, o padre informou aos fiéis que no dia seguinte benzeria as novas imagens recém-adquiridas, menos a imagem de São Lázaro que não era santo. E arrematou: – Santo protetor de que? De cachorro?  Noonn!

Ao ouvir aquelas palavras, deduzi que o meu amigo Raimundo Job passaria por grande decepção, pois o padre havia comunicado a sua visita paroquial a localidade Ponta do Camaleão onde, como já foi dito, residia a família Job. Assim, resolvi interromper minha viagem e voltar à sede do seringal para aguardar os acontecimentos.

Finalmente chegou o dia da verdade acerca de São Lázaro (assim pensava eu). O padre já havia chegado à colocação Ponta do Camaleão (como já foi narrado, sede do seringal) e à noite, durante o sermão da novena, proferiu o aviso sobre as imagens, falando portunhol com razoável sotaque: – Amanhã, após os batizados e casamentos, eu vou benzer as novas imagens adquiridas por vocês. Menos a imagem de San Lázaro. Porque San Lázaro non és santo. Santo protetor de que?  De catchorro?   Noonn! (completou as frases com o balançar, várias vezes, da cabeça).

Durante o pronunciamento do padre, eu me havia postado ao lado do meu amigo devoto de São Lázaro, fitando-o com compaixão. Ao término da prédica, para minha surpresa, Raimundo Job colocou a sua mão direita sobre o meu ombro e desabafou: – Com todos os diabos. Esse padre é buurro, meu amigo!

Concluí, então, que eram inabaláveis a crença e a fé da nossa gente daquela época aos santos católicos, reconhecidos ou não pela Igreja.

Lázaro foi protagonista de um dos milagres mais impressionantes de Jesus Cristo,

que o ressucitou depois de quatro dias de haver falecido. Mesmo não tendo nascido em Larnaca,

atual município de Chipre, foi o primeiro bispo local, entre os anos 45 a 63 da era cristã.

E foi lá onde morreu pela segunda e definitiva vez.

Na crença popular da nossa região é, ou era, o santo protetor dos enfermos e dos cachorros.

Mas por não ter sido canonizado, a Igreja Católica Romana não o considera (ou não o considerava) santo.

Decisão religiosa esta, que não foi aceita pelo personagem deste episódio.

OBSERVAÇÃO: Na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa,

São Lázaro é o  Padroeiro do Município de Larnaca, onde foi bispo.

Fato este, naquela época, totalmente desconhecido por aqui.

CHAMADAS:

(7) Regatão – Negócio de venda ambulante que recebeu esta denominação em razão das primeiras viagens deste ramo do comércio terem sido realizadas, em batelões a remo, por negociantes de nacionalidade turca cujas mercadorias expostas à venda eram tão caras que exigiam um grande regateio para conseguir-se um preço razoável. Posteriormente, as viagens comerciais ambulantes passaram a ser realizadas por comerciantes de várias nacionalidades, notadamente brasileira, em confortáveis embarcações a vapor, mais tarde motorizadas, oferecendo mercadorias aos melhores preços. Mas, a denominação de regatão perdura até hoje.

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Comentários

  • Almino Albuquerque  On 5 de agosto de 2010 at 9:37

    Ainda me lembro do grande Raimundo Job. Ele tinha por hábito no falar, repetir a frase: !Com todos os diabos”. Quantas saudades…

  • Daniel Albuquerque  On 5 de agosto de 2010 at 20:57

    Muito bem lembrado, Almino. Raimundo Job foi um exemplo de homem sério, generoso e com a capacidade de ser amigo unilateralmente. Sempre que tinha algo importante para dizer, iniciava com a exclamação “Com todos os diabos!” mas sem nenhuma invocação ao “rei das trevas”. Tenho a intuição de que Deus o acolheu no Paraíso mesmo que, ao passar por São Pedro, tenha exclamado: – Com todos os diabos! Agora vou descansar em paz.

  • susana ferreira  On 25 de dezembro de 2010 at 16:11

    u susana patricia sousa ferreira devo promessas a todos santos missas 12 12 rosas em cada ramo 12 velas a cada santo de graça le peso porque fui operaada

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